7 de nov. de 2011

Aos moralistas: um soneto du Bocage

Soneto do pau decifrado
É pau, e rei dos paus, não marmeleiro,
Bem que duas gamboas lhe lobrigo;
Dá leite, sem ser árvore de figo,
Da glande o fruto tem, sem ser sobreiro:
Verga, e não quebra, como zambujeiro;
Oco, qual sabugueiro tem o umbigo;
Brando às vezes, qual vime, está consigo;
Outras vezes mais rijo que um pinheiro:
À roda da raiz produz carqueja:
Todo o resto do tronco é calvo e nu;
Nem cedro, nem pau-santo mais negreja!
Para carualho ser falta-lhe um U;
Adivinhem agora que pau seja,
E quem adivinhar meta-o no cu.

27 de out. de 2011

Ainda sobre o Amor

Lacan, no Seminário 8, aponta uma articulação entre amor e desejo; para ele - e se usa de um texto de Platão para tanto - o amor só existe onde exista um amante, aquele que deseja, e um amado, aquele que é desejado. Há que se fazer um apontamento na direção da falta, o desejo demarca isso. O amante é aquele a quem falta - pois que deseja; além, ao amante falta saber o que lhe falta; o amado seria aquele que tem o que ao amante falta, porém, este não sabe o que tem. Por isso, à pergunta 'o que vc ama em mim?' não há resposta, já que uma vez nomeado o objeto - ou agalma, como aparece no texto - este passa a não ser mais, sempre será outra coisa (o desejo é movediço e nos escapa à significação).
Neste sentido, a psicanálise avança um passo, pois à demanda de amor do paciente, o analista não tem saída: ele sabe que não tem. O analisado busca saber o que tem e direciona uma demanda de saber para o analista; à esta demanda, o que encontra é uma falta. A falta, por sua vez, remete ao desejo - isso articula a passagem da demanda de saber à demanda de amor.
Daí a fórmula de Lacan: 'amar é dar o que não se tem'.

19 de out. de 2011

O Amor

Escolhi um título pretensioso. Pretensioso porque sei que não posso falar sobre este tema. O Amor, devo dizer, tem-me fixado a atenção por estes dias; do ponto de vista teórico, tendo a confessar que está mais claro como pode ele ser o único sentido da vida.
Sentido, eu no passado. E este é um delírio de luto; e com o luto não se luta, deixa-se abater para depois retornar.
E esse depois, é só no agora que poderá ser vivido. Por ora, é só depois que poderei viver no agora. Por ora só posso apreendê-lo, esse amor, fora da experiência. Não posso experienciá-lo. E não posso justamente porque quero. Maldita dialética do desejo, que coloca no futuro o que só pode ser vivido no hoje.
"Sinta o vento, veja a cor! Se acomode, tome jeitos; vá ao médico; não pense no agora; pense no agora; não problematize, deixe como está!". Todos estes conselhos, mando todos eles à merda - em minha cabeça, pois que ainda não me desvencilhei de uma educação católica e tenho dedos com palavrões.
Que me desculpem os românticos, mas que eu os abomino. Abomino e tenho inveja - não uma 'invejinha boa'. Tenho uma inveja galopante, porque vejo ali o que um dia eu fui, o que não posso ser mais. Não hoje, nem amanhã. Depois de amanhã, que é outro termo para 'não existe'.
Por esta altura eu paro, já que o delírio está demasiado cansativo. É, o amor é delirante e demasiado cansativo.

20 de jun. de 2011

Sobre moluscos acéfalos, mal-entendidos e cismas transicionais

Havia se distanciado das coisas que lhe eram mais caras. Havia perdido a vontade de conhecer o gosto das coisas novas e esquecido o sabor das antigas. Ostracismo; um amigo nomeou o processo. Ela não compreendeu; quem dera suas cascas fossem de madrepérola!, pensou.

1 de abr. de 2011

Onde 1+1 não são 2

Saio da janela, digo que preciso dormir. Tem sido uma luta constante encontrar alguma conexão. Quero mesmo é ficar bisbilhotando na web; tudo o que for possível para saber, ainda que este saber seja inundado dos meus achismos, daquilo que eu, pretensamente, penso que a pessoa quis dizer naqueles textos.
Não foi sempre assim. Mas hoje percebo que sempre existe uma ilusão dentro de outra e, cada casca que vamos retirando, acreditando que chegamos na carne, é só mais uma casca. Como bonecas russas. Só que infinitas. Problema é que a última, aquela que não deveria ser oca, nunca é encontrada. Sempre sobra um resto, um real.
Mas vamos lá, simplesmente é necessário. O engodo é necessário. Acreditar que se está no mundo, quando não se está, é necessário.
Querer acreditar não é o mesmo que acreditar... e assim vou me contradizendo, caminhando em direção contrária àquela do desejo. Aliás, o que é o desejo? Desejo existe?
Como alguém como eu, que não acredita em conexão, posso procurar uma? E o pior, pensar que encontrou? Confrontar, e cair no próprio ridículo do confronto. Falar e perceber que é comigo mesmo que falo.
A perfeição nisso tudo é a não conexão; duas pessoas que não acreditam em conexão só podem se conectar na falta dela. Ou seja, tanto faz. O '1' é só o 1, sozinho, ainda quando é 2. Nem gosto dessa palavra 'conexão' mesmo... soa relação, que soa engano... e assim, vamos engodando-nos todos, cada um à sua maneira, ou à maneira do Outro.

7 de mar. de 2011

O Prazer da Carne e o Real do Corpo

Disse no blog do Espaço a, da Ana Suy, que nada tinha a dizer sobre o Carnaval; minutos depois me ponho aqui a escrever sobre. É que Carnaval nos mobiliza; uns a pular e sacudir ao som dos batuques, outros a se recolherem reclamando dos batuques. Fato é que não conheço ninguém que aprecie 'pular' o Carnaval e, me parece, há uma onda modista daqueles que falam mal dele, assim como em temporada de Big Brother. Ainda assim, é uma festa muito difundida e que deve gerar lá seus lucros, não sei a quem.
Não sei definir o que é Carnaval, a não ser pela memória dos desfiles do tempo que tinha televisão; mesmo assim, sou das que não apreciam. Seja porque não gosto de aglomerações, ou não goste da 'música' ou, ainda, porque não tenha registro nenhum desta festarada, dos bailes que saudosamente falam, aqueles onde ainda se podia apreciar toda a essência da festa, dizem. Com essência preservada ou distorcida, sempre se chamou Carnaval, sempre se chamou a festa da carne, o prazer da carne, do corpo... do mesmo blog da Ana, 'o que pode ser mais real que uma fantasia?' ela se pergunta, me pergunta. E eu digo, o que é mais real que uma fantasia é o corpo, este que é idolatrado e ao mesmo tempo olvidado durante este movimento de batucadas e desfiles de nus fenomenais, de plumas e ritmo; o corpo não simbolizável, não nomeável; este sobre e com o qual se festeja e com o qual se penitencia, penitenciária nossa.

22 de fev. de 2011

O Menos-um fora do redemoinho

Falar sobre o Gozo tem algo meio de impossível - não era bem essa palavra que eu queria usar, mas na falta de uma melhor, uso-a. Quando se consegue, é sinal que a coisa anda boa.
Como é que se pode estacionar e não ser mais transitório? É a pergunta que tenho me feito... aliás, ando falando em primeira pessoa - e numa segunda também, mas que não é um 'tu', é 'umaoutraeumesma' -, não tenho mais idéias pra inventar contos.
O Gozo é um redemoinho, como aqueles vídeos que as pessoas gravam no meio dos tufões, dos furacões que ameaçam o câmera-man; você vê ele ali pertinho, quase encostando e, mesmo que a morte também esteja quase encostando, o cara continua ali, filmando, meio que hipnotizado por aquela cena. Talvez seja isso, uma cena que te hipnotiza e te mantém ali, parado, petrificado, esperando pela morte que nunca vem. Soou pesado essa da morte, né? Porque sabemos que ela vem. Agora ou depois. Mas no Gozo, tem algo de contraditório entre esperar pela morte e pela não-morte; porque parar é ter medo de morrer, mas ao mesmo tempo é morrer.
Parados, sabemos que ainda temos todas as chances do mundo. Em movimento, sempre há menos uma chance. De dar certo; de dar. No Gozo, de movimento mesmo é só a repetição. E ali, estamos protegidos do mundo, mas sob ameaça de nós mesmos.

9 de fev. de 2011

Felicidade

Felicidade é, por um momento, se sentir completo. Pretenso dizer isso, uma vez que digo de uma impossibilidade: ser completo.
Somos seres de muitos furos e vivemos de uma nostalgia, daquilo que nos foi um dia tudo, do tudo que um dia fomos.
Por isso nunca é o bastante. Não nos basta só fazer sexo, há que ser com aquela pessoa, a que me agrada, a mais bonita, a mais gostosa; não nos basta a nutrição por ela mesma, há que ser aquele prato tal, aquela bebida tal, naquele lugar tal.
Mas há momentos em que podemos nos encontrar com essa sensação dita felicidade: é quando descobrimos o que, para nós e somente para nós, é importante; aquilo que nos faz bem e que não nos estaciona. Um nome e uma cara de pau tremenda, pra assumir.
Ser feliz é um ato solitário, assim como é solitário viver.

1 de fev. de 2011

A dor de viver/a dor de morrer

Destroçado, o olhar de Luci, antes cheio de ilusões, é agora um mar de aflição. Sentada na areia, sobre um castelo que vai se desfazendo, ela assiste o baile de vento e ondas que batem nas pedras furadas, desgastadas pelo tempo. Nem as pedras resistem, ela pensa. Ao menos lá, onde as ondas batem, é um disfarce perfeito de esconder lágrima.
E os pensamentos são palavras que rasgam a garganta, ela grita. As palavras todas na boca, ela cala. Seu corpo imóvel é morada de uma dor tátil. Luci deseja, impotente, bailar o baile de vento e ondas, deixar à mostra também ela seus muitos furos, seu corpo despedaçado. A doçura do mar chama. Imersa, Luci ainda consegue tatear sua dor.