1 de set. de 2012

Desatenta

Há dez anos eu comprava meu ticket liberdade. Mas esqueci de olhar o verso, onde - certeza - estavam as instruções de uso.

30 de ago. de 2012

Inocência

O que dizer da inocência senão que ela se relaciona com uma certa ignorância de que somos agentes dos nossos problemas? Ignorância que só existe fundamentalmente, pois todo homem sabe muito mais do que aquilo que diz. Desde a origem, somos todos culpados: culpados por desejarmos o impossível.

13 de mai. de 2012

Luto

Estou pensando na estrutura ficcional da vida. E em como nossa realidade - e digo toda nossa realidade - é constituída por estas cenas amarradas, costuradas, embelezadas. Estratégia nossa para deixarmos aquela vista, que é tão horrível, mais suportável. Em como vou descobrindo, à custa de muita perda, essas memórias e construindo em cima delas uma nova versão, uma versão mais próxima do real que elas são. E aqui, neste ponto, penso na dor; em quanto é doloroso esse processo. Ir perdendo, aos poucos, aquela imagem ideal, formulada para dar uma ilusão de identidade, de reconhecimento, de encobrimento das fendas. Falo; e à medida que falo, não quero mais escrever. Tudo parece uma grande feita cômica.
Como Pessoa diz, 'és importante pra ti, porque só tu és importante pra ti'. Verdade esmagadora. E aquele trecho que não sai da minha cabeça: '...no nível do pequeno a, a questão é inteiramente diferente daquela do acesso a algum ideal (...) Aí está onde nós, analistas, somos levados a vacilar, nesse limite onde se coloca a questão do que vale qualquer objeto que entre no campo do desejo. Não há objeto que tenha maior preço que um outro...'. Então, 'ser especial' pra alguém, ou achar que alguém o é pra vc, é só uma tentativa de manter o Eu intacto, um arremedo de resposta à questão de quem somos, do que somos pro outro. Questão de resposta inalcançável além da exposição de uma falha primordial, uma falha que demonstra a insuficiência da nossa linguagem em nomear tudo.
Retomo o título do meu blog: 'Carta de Delírio'; de qualquer maneira, deliramos desde sempre. Ainda que não se saiba disso.

11 de jan. de 2012

E a análise?

Vivem me perguntando para que serve uma psico-análise. Eu sempre fico em dúvida do que responder, de como responder porque, confesso, sinto um pouco de vergonha - não sei por que - em dizer que uma análise serve para aprendermos a 'amar melhor', como se expressou lindamente alguém. E acho que meu titubeio advém de saber que o amor é uma tentativa de dar conta da diferença sexual, da impossibilidade do rapport sexual entre os seres. E, sendo uma tentativa de dar conta, é uma amarração; isso equivale a dizer que o amor é também ele um sintoma. 
Ama-se um outro na esperança de que, de dois, se possa fazer Um. Isso é bem bonito de se dizer, mas é impossível de se realizar. E é só depois que nos damos conta disso que podemos dar um desdobramento melhor pras nossas relações, porque aí não existe mais um ato iludido, mas com responsabilidade. Sair do 'me complete' e ir para o 'me suplemente', é a isso que se deve chegar.
Responsabilizar-se pelo que se deseja é assumir o que somos, assumir esse significante que somos diante do outro, para-ser, enfim, o que não pudemos ser até ali, e não mais para-esser - 'parecer' - no semblante onde estivemos.
O que dizer? O mundo é mesmo uma linda foda mal dada. E tenta-se loucamente substituir o impasse da diferença dos sexos pelo amor. Amor que é... o que era mesmo que eu ia dizer? Ah! Como eu amo as criptografias...
(...)Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que triste são as coisas, consideradas em ênfase.

Vomitar este tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam pra casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem(...)

(... )O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas, pretas, amarelas.
Pra que tanta perna, meu Deus?
Pergunta meu coração.
Porém meu olhos 
não perguntam nada (...)

Meus olhos apenas olham toda a movimentação, pessoas indo, pessoas vindo... pra onde, não se sabe. Mas meu coração está inquieto. E inquieto todo o meu corpo, minha carne que, sabendo-se viva, não pode saber-se mais do que isso.
Em todo saber insiste um limite e, por ora, o que sei é que palpito. Nada mais. E o nada faz-se tudo.