30 de out. de 2013


Percebo-me em um movimento recente de relativização; não digo isso em relação ao meu pensamento, senão daqueles que me procuram com suas angústias. No início, "a culpa é sempre do Fidel" e o meu trabalho é sempre levá-los à relativizar, até o limite (sim, porque há o bendito e às vezes ele não é transponível). Quanto a mim, a relativização me ajuda a saber aguardar (coisa que às vezes também é irritante). Não ter expectativas é difícil, mas o atravessar o limiar é coisa muito pessoal e até contraditória, já que é um caminho solitário, mesmo que eu os acompanhe nessa solidão. Muitas vezes, a minha presença ali é o que basta; muitas vezes, o aparelho auditivo imaginário do meu analista é o que basta para o que digo fazer efeitos em mim, silenciosamente de início e depois com mais estrondo. São tantas as vezes que uso o meu tempo com ele apenas para confirmar o que eu já sabia; menos vezes consigo um insight, ou saio de lá com algo novo para pensar, uma conexão nova feita, algo para o qual nunca tinha olhado... ainda assim, vale muito a pena - e pena eu digo no sentido mais terrível do dicionário - estar ali, com essa presença, à parte continuar solitariamente.
Os muros que a gente inventa, as pedras que a gente coloca, tudo isto só pode ser quebrado e retirado pela gente mesmo. E não me venha dizer que entende, empatia não é consciência e, mesmo se fosse, a consciência é sua; então não pense que você sabe do que estou falando e não me procure achando que eu vá saber alguma coisa, porque até de mim, que sou eu, ainda estou tentando saber.
Ideal de Eu e Superego, vocês são uns malditos. Mas sem vocês, eu não seria eu e eu nunca poderia vir a ser num futuro.

21 de ago. de 2013

O pote de mel

O pote de mel está lá; tão doce que é impossível não cair no mesmo erro e lambuzar-se repetidas vezes. Até que se esvazie. E apareça outro pote, com outro mel.

2 de abr. de 2013

Cassandra

Diz-se que quando a ilusão acaba, se sofre. E quando não se tem ilusão nenhuma? Quando se acredita que não é mais possível enganar-se e algo vem e nos acerta, algo nos irrompe e, nesse sentimento, se descobre que a luta é para manter a ilusão viva, pois que sem isso morreríamos?
Nossas conexões são evanescentes, por isso escrevo, para provar que o que passa, não é bem que passe sem antes nos causar uma tempestade. Passou; passou um furacão levando e trazendo coisas.
Tento me enganar que não estou sozinha, que quem me acolhe não o faz com base nas escolhas anteriores. Tento me enganar que eu estou livre desses artifícios. Tento apagar tudo o que me traga a sensação de que não sou eu que estou ali, senão a representação de algo que - meu deus - nem em mim estava! mas me foi posto, porque apagando isso, apago também a certeza de que não sou para o outro além de uma imagem, e de que o outro não é também ele um espelho nu.
Nu no espelho, é como me sinto. Pintando ali uma roupagem menos 'carne, menos 'pele', mas também menos verdadeira. Carne, pele e verdade são quase antinaturais. Mas, desde que avistadas de relance, já não podem ficar de fora do circuito.
Se sofre de força. Da força que se faz para manter a ilusão.

14 de jan. de 2013

Nunca vi o saudosismo com bons olhos pois sempre me pareceu coisa de quem não quer viver no presente, coisa de quem se nega a olhar para o instante que existe, como que preferindo se alhear à ameaça de que no instante seguinte morre-se um pouco. É um pouco como escrever, cada letra deixada aqui é eternizada; mas eternizar diz de uma cristalização que também requer uma morte: a letra redigida morre, pois que já não está encadeada dentro de mim, está posta fora e dali ela não vai para lugar nenhum. Por isso, ler o que já escrevi sempre me causa um estranhamento, como se outro 'mim' tivesse dito, um mim que já não sou eu, um mim que não pode voltar a ser eu. E eu sempre fico meio triste, porque me dá saudade desses outros 'mim' que residiram no meu corpo um dia. Odeio sentir saudade e odeio que a saudade tenha uma função de resgate de memória; odeio também que o resgate de memória traga sentimentos vividos. Acho que por isso me desfaço tão prontamente de coisas do meu passado, tenho mesmo uma certa ansiedade por me desfazer delas. À parte de existir uma memória, tenho o direito de esquecer. Então, por que escrevo?
Conta-se uma história para que ela morra ou para que viva eternamente?

7 de jan. de 2013

Eternamente retornar. Não é realmente incômodo se deparar com elementos já vivenciados, que se repetem nessa odisséica, embora normalíssima, vida cotidiana? Se perguntar 'o que mesmo de você há nisso?', 'por que é mesmo que ISSO se repete ASSIM, desse jeito?'. Ok, talvez não seja possível isolar o traço, o registro primeiro, a marca que se imprimiu e em torno da qual bordeamos todo o tempo, que nos diz que somos assim e não assado, mas que se esconde e não nos deixa saber por que somos assim e não assado. Sujeito-efeito-causado. Resta fazer dessa repetição uma piada pessoal, já que a velha conhecida ironia não pega bem.