13 de mai. de 2012

Luto

Estou pensando na estrutura ficcional da vida. E em como nossa realidade - e digo toda nossa realidade - é constituída por estas cenas amarradas, costuradas, embelezadas. Estratégia nossa para deixarmos aquela vista, que é tão horrível, mais suportável. Em como vou descobrindo, à custa de muita perda, essas memórias e construindo em cima delas uma nova versão, uma versão mais próxima do real que elas são. E aqui, neste ponto, penso na dor; em quanto é doloroso esse processo. Ir perdendo, aos poucos, aquela imagem ideal, formulada para dar uma ilusão de identidade, de reconhecimento, de encobrimento das fendas. Falo; e à medida que falo, não quero mais escrever. Tudo parece uma grande feita cômica.
Como Pessoa diz, 'és importante pra ti, porque só tu és importante pra ti'. Verdade esmagadora. E aquele trecho que não sai da minha cabeça: '...no nível do pequeno a, a questão é inteiramente diferente daquela do acesso a algum ideal (...) Aí está onde nós, analistas, somos levados a vacilar, nesse limite onde se coloca a questão do que vale qualquer objeto que entre no campo do desejo. Não há objeto que tenha maior preço que um outro...'. Então, 'ser especial' pra alguém, ou achar que alguém o é pra vc, é só uma tentativa de manter o Eu intacto, um arremedo de resposta à questão de quem somos, do que somos pro outro. Questão de resposta inalcançável além da exposição de uma falha primordial, uma falha que demonstra a insuficiência da nossa linguagem em nomear tudo.
Retomo o título do meu blog: 'Carta de Delírio'; de qualquer maneira, deliramos desde sempre. Ainda que não se saiba disso.

Um comentário:

Giovanna Cóppola disse...

Um pouco triste, porém, bonita divagação. Beijo