29 de jan. de 2010

Da Re-petição (e de uma Clara que não fosse de Drummond)

Clara passeava no jardim e tudo era igual ao redor dela: todo dia o mesmo sol, os mesmos passarinhos cantantes, a mesma ironia de viver. Clara reclamava da vida como um cão que reclama seu osso; pensava que tinha direito a mais do que esta a regalava. Não, mais, achava que nada tinha vindo de presente mesmo, então a petição lhe era certa por mérito. Por toda sua vivência atormentara-lhe um sentimento infindo de que aquele corpo que passeava no jardim, aquela voz que saía de uma boca conhecida não era condizente. E tudo o que fizera fora para tentar ser condizente. E nada, até ali, havia adiantado muito: estava no mesmo lugar, não estava? E Clara repetia mentalmente seus desejos, como um mantra capaz de lhe trazer a mudança... o que ela não imaginava é que naquela manhã, quando tombou sobre um arbusto, num acesso lancinante de dor, tudo ainda continuava igual; a única coisa que mudara foi sua pergunta: como me deixei chegar a este ponto?

5 comentários:

Javier Ortiz I. disse...

hehehe, belíssimo... principalmente com a narração mental que proporcionei ao teu texto, na tonante voz de Zé Wilker...rs...fiquei com dó de Clara, e logo fiquei com dó de mim, talvez porque também me dou o direito da alienação, e berro qdo meu desejo me faz tropeçar no asfalto esburacado do Real... fiquei com dó de Clara, porque acredito que seja assim que doa, quando nascemos como sujeitos.

Doidus disse...

Nem sempre a dor física leva à realidade. Dependendo da situação, leva à revolta, pois quando se pede um presente melhor e se recebe apenas uma dor pra dizer: "olha como tudo tava bem", mas não algo pra dizer: "Você merece algo melhor!!!" A pessoa entra na reflexão de o quanto ela é (ou não é) importante pro resto do universo...

Suicidalmente,
Doidus...

Vani disse...

Mas a dor não precisa ser necessariamente física; ainda assim, seja ou não ela física, o problema está que não somos, mesmo, tão impostantes para os outros... pelo menos não na medida que achamos que poderíamos. E aí está a queda.

Doidus disse...

Talvez o fato de sermos impostantes, mascarados em uma redoma de que servimos pra algo, é que tira nossa importância e originalidade, questionamentos, etc. Precisamos ser mais elétricos!

Vani disse...

Ou, talvez, o que nos é imposto e que não vai de encontro ao que desejamos seja o que tira nossa autenticidade... e, ainda, não somos impostantes para o outro pelo fato de cada um estar em vistas à sua própria bem-vivência, ainda que isso esteja sempre sempre mascarado, o que retorna mais uma vez ao meu lapso de escrita. Mas, ao fim de tudo isso, queria retificar que não somos tão importantes para o outro, por isso e por tantos outros motivos.