14 de jan. de 2013

Nunca vi o saudosismo com bons olhos pois sempre me pareceu coisa de quem não quer viver no presente, coisa de quem se nega a olhar para o instante que existe, como que preferindo se alhear à ameaça de que no instante seguinte morre-se um pouco. É um pouco como escrever, cada letra deixada aqui é eternizada; mas eternizar diz de uma cristalização que também requer uma morte: a letra redigida morre, pois que já não está encadeada dentro de mim, está posta fora e dali ela não vai para lugar nenhum. Por isso, ler o que já escrevi sempre me causa um estranhamento, como se outro 'mim' tivesse dito, um mim que já não sou eu, um mim que não pode voltar a ser eu. E eu sempre fico meio triste, porque me dá saudade desses outros 'mim' que residiram no meu corpo um dia. Odeio sentir saudade e odeio que a saudade tenha uma função de resgate de memória; odeio também que o resgate de memória traga sentimentos vividos. Acho que por isso me desfaço tão prontamente de coisas do meu passado, tenho mesmo uma certa ansiedade por me desfazer delas. À parte de existir uma memória, tenho o direito de esquecer. Então, por que escrevo?
Conta-se uma história para que ela morra ou para que viva eternamente?

Um comentário:

Doidus disse...

Eu também voltei ao teu blog graças à minha própria poesia sobre a noite. Nela, resgatei memória; continuo como a roda, que gira num mesmo eixo, num mesmo eu, num mesmo sentido. Pensamos que mudamos, que deixamos um pouco de nós mesmos, como o pneu que se desfaz da borracha, ficando careca por isto, e perdendo pedaços. Mas pensando bem, ele não perde, porque o asfalto é parte dele, e acredito em tudo sendo pedaços e, ao mesmo tempo, uma coisa só. O passado, o presente, o futuro, tudo isso é eternidade. Grandes descobridores, escritores, pintores, cantores, corredores de fórmula 1, todos esses deixaram de alguma forma a sua pista de onde estavam e para onde queriam ir. Seja por letras de punho ou digitalizadas, também deixamos as nossas pistas, rastros e marcas. Portanto, acho que a resposta da pergunta: Por que escrevo? Está no fato de que existe um Deus que de vez em quando, faz a estranha brincadeira de unir pedaços de "borracha" de pneus passados (ou idéias de cérebros de pessoas já ausentes há séculos que precisam despertar) e coloca em uma pessoa do pseudo-presente. Com isso, ele só dá nova roupagem ao universo tão velho que, de uma forma ou de outra, também gira... gira... gira... e volta...